Descrição
O Book of the Offices of Spirits, ou em latim, Liber Officiorum Spirituum, é um grimório inglês que remonta ao século XVI, pertencente à tradição da magia salomônica e demonologia cristã renascentista. Trata-se de uma das fontes mais antigas e completas da hierarquia de espíritos infernais, elementais e celestiais, e representa uma etapa intermediária entre a tradição da Clavícula de Salomão e o posterior Ars Goetia, presente no Lemegeton.
Este grimório é um dos textos que mais influenciaram a forma como a magia cerimonial ocidental classificou e trabalhou com os espíritos em estruturas hierárquicas, ordenadas por cargos, poderes e especializações. Ele é essencial para entender o desenvolvimento da goetia como prática mágica e doutrina espiritual.
Contexto e Origem
O manuscrito mais notável do Book of the Offices of Spirits é encontrado no Sloane MS 3850, preservado na British Library. Este manuscrito, provavelmente datado entre 1577 e 1583, é atribuído a um magista inglês anônimo, contemporâneo da era elisabetana, época marcada por grande florescimento da astrologia, alquimia e magia cerimonial na Inglaterra.
Esse período viu o surgimento de figuras como John Dee e Edward Kelley, que exploraram os limites entre religião, magia e ciência. O Liber Officiorum Spirituum parece ter sido uma das fontes que alimentaram a tradição mágica inglesa anterior à sistematização da goetia no século XVII.
Conteúdo do Grimório
O Book of the Offices of Spirits apresenta um catálogo extenso de entidades espirituais, divididas por ordens e “ofícios” (funções). O conteúdo pode ser resumido nos seguintes pontos:
• Listagem de mais de 100 espíritos, com nomes, títulos, selos, poderes e especializações (curar doenças, obter conhecimento oculto, descobrir tesouros, provocar amor, etc.).
• Hierarquias espirituais: os espíritos são classificados em ordens subordinadas a reis, duques, marqueses, presidentes, condes e cavaleiros — uma estrutura que anteciparia a do Ars Goetia.
• Instruções ritualísticas para evocação: incluindo orações cristãs, círculos mágicos, nomes divinos e selos mágicos.
• Distinção entre espíritos bons e maus, indicando uma tentativa de manter a prática dentro de uma moldura cristã.
• Incorporação de elementos astrológicos, especialmente na escolha de horários e dias apropriados para a evocação.
Relação com a Ars Goetia
O Book of the Offices of Spirits é, na prática, uma das principais fontes diretas do primeiro livro do Lemegeton — o famoso Ars Goetia, que descreve 72 demônios, suas funções e selos. Muitos dos nomes, títulos e descrições presentes na Goetia aparecem originalmente no Offices of Spirits, embora com variações e uma lista significativamente mais extensa.
Enquanto a Goetia apresenta um sistema mais fechado e resumido, o Liber Officiorum é mais disperso, experimental e ainda imerso em uma cosmovisão mais híbrida, que mistura espiritualidade cristã com práticas de feitiçaria, astrologia e necromancia.
Importância Acadêmica e Esotérica
Do ponto de vista acadêmico, o Book of the Offices of Spirits é um documento-chave para o estudo da evolução dos grimórios europeus. Ele evidencia:
• A transição da magia medieval para a magia renascentista e moderna;
• O desenvolvimento de uma teologia demonológica prática, em que os espíritos são abordados não apenas como inimigos da fé, mas como entidades com funções específicas acessíveis ao magista;
• A presença de estruturas astrológicas e cabalísticas integradas a práticas de evocação, mostrando a tentativa de sistematização e intelectualização da magia;
• Um exemplo da ambiguidade teológica da magia cerimonial: o magista opera com uma linguagem cristã, mas trabalha com espíritos que muitas vezes são classificados como demoníacos ou pagãos.
Do ponto de vista prático-esotérico, ele representa uma ferramenta operativa rica, especialmente para magistas que buscam compreender os antecedentes da Goetia e trabalhar com uma estrutura mais abrangente e menos dogmática de evocação espiritual.
Edições modernas e acesso
A principal edição moderna do Book of the Offices of Spirits foi publicada por Daniel Harms e Joseph H. Peterson, sob o título:
“The Book of the Offices of Spirits: The Occult Virtue of Plants and Spirits” (2015, Llewellyn Publications)
Essa edição crítica apresenta:
• A transcrição completa do manuscrito Sloane 3850
• Notas explicativas e históricas
• Análise comparativa com outros grimórios, incluindo o Lemegeton, o Heptameron e o Liber Juratus
• Diagramas e selos originais dos espíritos listados
Conclusão
O Book of the Offices of Spirits é uma fonte fundamental para o estudo da magia ocidental, oferecendo uma visão ampla das práticas espirituais da Renascença, antes da padronização goética. Ele documenta um universo mágico onde o magista cristão lidava com o mundo invisível de forma prática e sistemática, utilizando nomes sagrados, astrologia e arte cerimonial para acessar inteligências espirituais com propósitos definidos.
Para estudiosos e praticantes da magia cerimonial, é um grimório que oferece tanto riqueza histórica quanto potencial operativo. Ele não é apenas uma relíquia do passado oculto europeu, mas um elo vivo entre a teurgia, a demonologia e a arte da evocação espiritual.
