Descrição
O Book of Treasure Spirits, ou em latim Liber Spirituum Thesaurorum, é um grimório de origem europeia medieval que se insere na tradição da magia cerimonial cristã voltada à descoberta de tesouros ocultos, espólios enterrados e riquezas protegidas por espíritos, sejam eles angélicos, demoníacos ou elementais.
Esse texto pertence a uma subtradição específica dentro do universo grimorial: a chamada “tesouro-magia” (treasure magic) — práticas mágicas e necromânticas usadas para localizar e desenterrar riquezas escondidas, geralmente guardadas por entidades espirituais com as quais o mago precisava negociar, subjugar ou evocar.
Contexto Histórico e Tradição Cultural
A origem do Book of Treasure Spirits remonta aos séculos XIV ao XVII, com versões e variações surgindo principalmente em manuscritos germânicos, franceses e ingleses. Ele está vinculado ao gênero de textos que se desenvolveram paralelamente aos grimórios salomônicos, como a Clavícula de Salomão, o Heptameron e o Liber Juratus, mas com foco não apenas espiritual ou teúrgico, e sim material, frequentemente vinculado ao desejo de encontrar ouro, pedras preciosas, moedas antigas ou relíquias enterradas.
Esse tipo de magia também aparece nas tradições populares camponesas da Europa, onde era comum o uso de grimórios, rituais, varinhas e orações para procurar locais com “tesouros encantados” — geralmente amaldiçoados ou protegidos por espíritos — uma tradição que mistura magia ritual, necromancia, cristianismo popular e folclore germânico/teutônico.
Conteúdo do Grimório
O conteúdo do Book of Treasure Spirits geralmente inclui:
• Listas de espíritos que guardam tesouros, com seus nomes, selos, cargos e naturezas (bons, maus, enganosos, violentos, benevolentes).
• Rituais de evocação e submissão dos espíritos, com fórmulas em latim ou vernáculo, baseadas em invocações cristãs, conjurações salomônicas e uso de nomes divinos.
• Instruções para localização do tesouro, como a criação de círculos mágicos, uso de ferramentas rituais (varinhas, espadas, bastões), cálculo de dias e horas planetárias apropriadas.
• Descrições dos obstáculos espirituais ou armadilhas: como aparições ilusórias, barulhos, ventos, fumaças ou animais protetores que impedem o magista de acessar o tesouro sem a devida conjuração.
• Rituais auxiliares, como confissões, jejuns, orações penitenciais e banhos purificadores — indicando que a operação exigia pureza ritual e disciplina moral.
Em algumas versões, há recomendações astrológicas (ex.: realizar o ritual com a Lua cheia ou sob determinado signo), bem como avisos sobre riscos espirituais, pois os tesouros eram vistos como sendo protegidos por espíritos enganadores, mortos inquietos ou demônios territoriais.
Espíritos dos Tesouros: Natureza Ambígua
Os “espíritos dos tesouros” não são apenas entidades malignas, como muitas vezes são os demônios goéticos. Eles aparecem com natureza ambígua, podendo ser:
• Espíritos de mortos que enterraram o tesouro e agora o protegem;
• Anjos decaídos que foram designados como guardiões por decreto divino;
• Espíritos elementais da terra, muitas vezes territorializados;
• Servos espirituais, evocados por contratos antigos e que permanecem “presos” ao local.
Muitos desses espíritos falam enigmas, criam ilusões e testam o magista antes de permitir acesso à riqueza, ou antes de entregar uma mensagem secreta ou símbolo oculto.
Edições modernas e manuscritos preservados
Uma das versões mais completas e estudadas do Book of Treasure Spirits foi publicada por David Rankine e Paul Harry Barron, contendo traduções, comentários e análise comparativa com outros grimórios do período. Além disso, manuscritos relacionados ao tema aparecem em:
• British Library, Sloane MSS (vários manuscritos contendo listas de espíritos de tesouro)
• Bibliothèque de l’Arsenal (Paris) com variações em francês antigo
• Manuscritos germânicos do século XVI, muitas vezes anônimos ou vinculados a tradições alquímicas
Importância Acadêmica e Esotérica
Do ponto de vista acadêmico, o Book of Treasure Spirits é relevante porque:
• Representa uma interface entre magia cerimonial e tradição popular, com estrutura ritual sofisticada aplicada a fins materiais;
• Ilustra o uso de espiritualidade cristã aplicada à busca de riquezas ocultas, revelando tensões entre fé, superstição e desejo;
• Documenta a presença de práticas mágicas operativas fora do clero e da universidade, indicando que grimórios circulavam também entre leigos, alquimistas e aventureiros;
• Demonstra a crença europeia em territorialidade espiritual, um tema ainda comum em folclores do Oriente Médio, América Latina e Europa Oriental.
Conclusão
O Book of Treasure Spirits é um grimório singular que revela um aspecto muitas vezes marginalizado da tradição mágica: o desejo humano de encontrar riqueza, canalizado por meio de rituais, disciplina espiritual e negociação com o invisível.
Longe de ser apenas um manual de “caça ao tesouro”, ele preserva um complexo sistema de crenças sobre a relação entre o mundo dos mortos, os espíritos e os bens materiais — um reflexo direto da mentalidade mágica da Europa pré-iluminista, onde o sagrado e o profano se misturavam em práticas ocultas repletas de risco, fé e ambição.
