Descrição
A Steganographia, escrita por Johannes Trithemius no final do século XV, é uma das obras mais misteriosas, sofisticadas e ambíguas da tradição esotérica ocidental. O título deriva do grego steganos (oculto, escondido) + graphia (escrita), significando literalmente “escrita oculta”. Embora tenha sido por muito tempo considerada exclusivamente uma obra de magia angélica e demonológica, estudiosos modernos descobriram que, sob a aparência de um tratado de magia, esconde-se um complexo sistema de criptografia.
No entanto, isso não elimina seu caráter mágico. A Steganographia é um exemplo fascinante de como ciência, espiritualidade, criptografia e ocultismo se entrelaçavam no pensamento renascentista. Trithemius não apenas disfarça técnicas criptográficas como invocações mágicas, mas também oculta conhecimentos ocultos sob o manto da codificação — criando uma verdadeira obra-prisma, lida de forma diferente conforme a chave interpretativa escolhida.
Autor: Johannes Trithemius
• Nome completo: Johannes Trithemius (1462–1516)
• Ocupação: Abade beneditino, criptógrafo, ocultista, historiador e mago
• Obras principais:
• Steganographia
• Polygraphia (obra irmã focada em criptografia aberta)
• Chronicon Sponheimense
• Antipalus Maleficiorum (contra feitiçaria vulgar)
Trithemius foi mentor de figuras como Agrippa e influenciador de Paracelso, representando um elo crucial entre a tradição monástica e o renascimento hermético.
Estrutura da Steganographia
A obra é dividida em três livros principais (com um quarto incompleto ou perdido), e cada um aborda diferentes aspectos da transmissão de conhecimento oculto:
Livro I: Espíritos e Mensagens
• Apresenta um sistema de comunicação mediada por espíritos angélicos e planetários.
• Cada espírito está associado a:
• Um planeta
• Um dia da semana
• Uma hora mágica
• Uma função específica, como proteção, velocidade, ou sigilo
Esses espíritos são invocados com fórmulas ritualísticas, que em realidade são mensagens codificadas disfarçadas em invocações.
Exemplo: uma “invocação a um espírito de Mercúrio” pode conter uma mensagem cifrada entre palavras angelicais.
Livro II: Comandos Espirituais
• Amplia o sistema e apresenta hierarquias espirituais mais elaboradas, com foco em:
• Comunicação à distância
• Viagens espirituais
• Revelações proféticas
• Muitos nomes de espíritos são variações de palavras hebraicas, gregas ou latinas alteradas
Este livro introduz os 72 anjos da Shemhamphorash, conectando a obra à Cabala angélica e à tradição salomônica, embora reinterpretados sob uma ótica muito própria.
Livro III: Demonologia Celeste (ou Criptografia disfarçada)
• Por séculos, foi considerado o mais “mágico”, lidando com espíritos do ar, da água, do fogo e da terra.
• Na realidade, esse livro esconde um complexo sistema de criptografia binária e algorítmica, revelado por estudiosos modernos a partir do século XX.
• Utiliza listas de nomes e fórmulas místicas como códigos para comunicação secreta entre iniciados
Criptografia versus Magia
A Steganographia é uma obra dual:
Interpretação Críptica Interpretação Esotérica
Codifica mensagens ocultas Invoca espíritos para propósitos específicos
Uso de tabelas e cifras Uso de dias planetários, nomes divinos
Sistema de transmissão de cartas Sistema de transmissão de intenções mágicas
Protege conhecimento em tempos de censura Preserva rituais mágicos sob véu religioso
Essa dualidade não é acidental — Trithemius acreditava que o verdadeiro conhecimento deveria ser velado, acessível apenas aos preparados.
Simbolismo Mágico e Espiritual
• Uso de números sagrados (como 7, 12, 72)
• Presença de nomenclaturas angelicais combinadas com planetas e horas mágicas
• Organização segundo a cosmologia neoplatônica e cristã
• Influência da Cabala, do Sefer Raziel, e de grimórios como o Ars Notoria
Influência Posterior
• Agrippa e a Philosophia Occulta retomam vários conceitos
• A Steganographia foi colocada no Índice de Livros Proibidos da Igreja
• Ocultistas como Eliphas Levi, Barrett e Waite a consideraram um grimório de invocação real
• A moderna criptografia reconhece Trithemius como um de seus fundadores, ao lado de figuras como Al-Kindi
Conclusão
A Steganographia é um dos mais engenhosos grimórios da história do Ocidente, funcionando simultaneamente como:
• Um manual de comunicação secreta
• Um tratado de magia angélica disfarçado
• Uma obra filosófica sobre o poder oculto da palavra
• Um ritual hermético para iniciados da luz e do silêncio
Seu valor não está apenas nos segredos que contém, mas no desafio místico que propõe: ver além das palavras, escutar através dos números, e decifrar os véus da criação com disciplina e reverência.
Ideal para:
• Estudiosos de história da criptografia e ocultismo renascentista
• Praticantes de magia angélica e cabalística
• Ocultistas que apreciam obras multicamadas e profundamente simbólicas
• Buscadores que entendem que a magia também é linguagem
